30 de outubro de 2012

toque de queda


Me convenci que o melhor era aceitar meu motivo justo. Saí do trabalho, passei no supermercado, comprei vinho branco, conversei com a moça, “eles vão conseguir, eles vão acabar com tudo, fui no Bambus e tava horrível, tu nem sabe” (como se não tivesse comentado isso comigo umas 78 vezes e eu 78 vezes com a mesma cara “eles nunca vão conseguir acabar com a boemia, fica tranquila”). Comprei uma taça enorme, acho que se eu me esforçar minha cabeça entra dentro dela e eu vou parecer um astronauta (ou um escafandrista, veja que bem tal semelhança). No vinho tinha kiwi, maçã e laranja, coloquei pra comemorar o verão (ou a primavera, que seja, os moços da previsão que decidam). Ficou colorido, lindo.  A Duda bateu aqui preocupada. Vinho? Hoje? E a academia? Descomplica. É terça, é dia de comemorar o verão (a prima Vera, que seja, que piada horrível). “Ihhh, sei não”. A janela merece. O ventinho quente que bate quando a gente senta nela, merece. “Merece, merece”. A Luísa mandou um link: um site que combina o que estamos escutando com o drink que temos que beber. Deu whisky, era Drexler. Tô um pouco errada. Aqui tem Drexler. E, essa capa é uma das melhores capas de disco do mundo inteiro. Quiçá a melhor, no meu exagero. Uma cama branca, bagunçada, de quem acabou de acordar, amar, ficar junto, só junto, acordando, bagunçando, amando, puxando pra um lado, pra outro, puxando o outro pra um lado e pro outro. Ouvia muito esse disco quando fazia aulas em Porto Alegre. 2010. Que ano puxado. Que inverno do cacete foi aquele. Muitas e muitas noites na rodoviária esperando o próximo ônibus pra Pelotas e pensando “quem dera uma cama branca, gigante, cheia de travesseiros”. E eu nem sabia. Quem dera ficar junto, ouvindo, só junto, acordando, bagunçando, puxando a coberta. Quem dera poder ligar pra avisar que acabou a primeira garrafa e é preciso que traga a segunda. Traz mais uma, vai faltar pra te ver gargalhar! Eu quero te ver gargalhar. Uno no elige de quien se enamora, ni elige que cosas a uno lo hiere, não é mesmo? Mas, tudo bem. É verão (primavera, que seja, que eles decidam). Acabou o vinho. Acabou tudo assim, acabado, no silêncio. Eu que nunca soube lidar com silêncio, silencio. Da janela as pessoas foram deixando de passar, os carros foram indo embora e o silêncio. Silencio. O vinho, meu calcanhar de Aquiles. Talvez o nosso. La noche estaba cerrada y las heridas abiertas. O vinho, meu calcanhar de Aquiles, mandou lembranças no silêncio. Cualquier contrasentido hoy cobra sentido y se vuelve dilema para este corazón anhelante. E, sem a segunda garrafa é fim. Meu motivo justo. Todos os motivos justos. Todos voltam a sus puestos.

motivos justos

Calorão. Início da temporada de sentar na janela. Dúvida cruel se troco academia por passar no super pra comprar uma garrafa de vinho branco pra deixar gelando. Sentar na janela com o livro novo. Beber o vinho em um copo porque minha casa não tem taças. Calorão. Início da temporada de ainda ver o dia no final do dia na minha janela. Início da temporada das florzinhas roxas que ficam caindo na calçada, dos velhinhos que acordam cedo pra dar jeito na bagunça delas, no colorido que elas deixam na rua. Desisti da academia pra comemorar o início da temporada de ser feliz. Viva o calorão! Viva o vinho branco gelado na janela de uma casa que não possui taças! Viva! 

26 de outubro de 2012

não tem de quê

A Rosa veio chorando pela rua. Que Rosa que chora, como chora essa Rosa. Chegou aqui era só orvalho. Ô Rosa. Explica, Rosa. Fala, Rosa. "E por isso não vale chorar", Rosa. Tanto choro era culpa do moço? Era culpa da Rosa? E a Rosa chorando segurando o coração apertado. Fala, Rosa. Conta pro moço, Rosa. Conta pra ele da prova de amor. Conta pra ele, Rosa. Conta pra ele que prova de amor é fazer com que o amor não exista. Conta pra ele que prova de amor é podar o amor. Conta pra ele que prova de amor é cortar o amor pela raíz. Conta pra ele que Rosa que corta o amor pela raíz vive à Deus dará. 

ei você aí

Perdi o cartão magnético que me autoriza a entrar no prédio do "serviço". Uma vez a Camila Morgado, que é chata, mas numa boa entrevista pra Lola disse: se a gente fala "serviço" sai o encanto e entra a vida real (eu não lembro na verdade, mas era algo assim). Perdi como perco várias coisas pela vida. Como já perdi celular, brincos (mais um dos vários motivos que me fizeram parar de usar brincos), dinheiro. Pratico o desapego todos os dias com as minhas colinhas de cabelo, por exemplo. Perdi. Fiquei usando um provisório porque pra conseguir um novo preciso pagar uma nota. Ainda bem que os porteiros me chamam pelo nome e nunca deixam de dizer "bom descanso, Lanna". Hoje acordei cedo, tomei banho, botei pra tocar o Letuce que tinha gostado, deu até tempo de secar um pouco o cabelo. Desci as escadas e em cima da minha caixinha do correiro tava o tal cartão magnético. Ele é todo branco e não tem nome e eu não sei quem foi a pessoa que o achou, nem onde, nem como colocou em cima da caixinha do correio, nem se essa pessoa sabia que eu era atrapalhada e que perco coisas. Só sei que eu fiquei feliz. Ah, e os porteiros também. Obrigada pessoa boa que fez questão de ajudar o próximo. O carma bom vem em dobro! 

22 de outubro de 2012

sobre a Luli e pecados

Quando a gente era adolescente, com uns catorze, quinze anos, por aí, a Luli tinha um apartamento que nós transformamos em um ninho. Era diferente. Ela morava com a mãe e a mãe dela nunca parava em casa. Isso fazia com que a gente tivesse a total liberdade de colocar música muita alta e de nos alimentarmos muito mal. Nuggets, quase sempre. Só ouvíamos as mesmas músicas e os vizinhos cultivavam um grande rancor por aquela baderna. Principalmente o síndico gordo e suado, que era um cara mau. Ficávamos alternando entre o dvd do Tribalistas e Los Hermanos (e a gente se orgulhava muito que "só a gente no mundo inteiro" gostava de Los Hermanos, porque éramos meio imbecis nesse sentido). Desenhávamos nas paredes, escrevíamos poesia, discutíamos sobre amor e sofríamos, sofríamos, sofríamos por amor, mas na maioria das vezes inventávamos só pra poder sofrer mais um pouquinho porque achávamos bonito. Eu até desenhava, veja só. A Luli sempre foi artista. Com a Luli eu aprendi que algumas pessoas simplesmente nascem com a arte no coração, outras não. Acho que nunca disse à Luli o quanto sinto falta de ir chorar no colo dela, me enrolar no edredon da Pocahontas e pedir "Luli, arranca isso de mim". Eu sinto falta, Luli. Eu sinto falta de um tempo que a gente inventava isso pra criar mais bonito, pra chorar ouvindo Los Hermanos. Eu sinto falta. Faz alguma coisa, Luli.  


Falados os segredos calam
E as ondas devoram léguas
Vou lhe botar num altar
Na certeza de não apressar o mundo
Não vou divulgar
Só do meu coração para o seu
Pecado é lhe deixar de molho
E isso lhe deixa louco
Não, eu não vou me zangar
Eu não vou lhe xingar
Lhe mandar embora
Eu vou me curvar
Ao tamanho desse amor
Só o amor sabe os seus
Não, eu não vou me vingar
Se você fez questão
De vagar o mundo
Não vou descuidar
Vou lembrar como é bom
E ao amor me render

16 de outubro de 2012

a descomplicada do Bonfa

Eu gosto da Duda porque a Duda simplifica. A Duda é minha vizinha de porta. A gente mora porta-com-porta. Quando me mudei pro prédio demorei a ver que a Duda morava no apartamento da frente. Um dia cheguei do trabalho e peguei no sono, acordei assustada, atrasada pra um show e sem um puto pra pegar um táxi. Vesti o primeiro vestido que encontrei e bati na porta da Duda pedindo dinheiro emprestado. O que me faltou de vergonha na cara sobrou na Duda de boa vontade. Desde lá era isso, abridor de vinho pra cá, bilhete agradecendo um favor pra lá e de vizinha a Duda passou a ser a Duda que simplifica tudo. Quando a Duda sente vontade de alguma coisa, ela fala, simplifica. Discursa alto, reclama, anda pra lá e pra cá segurando um cigarro, "hoje preciso de um cigarro, só hoje", conta dos casos capengas de amor e faz piada, ri da maioria deles. Quando a Duda quer alguma coisa, segura a Duda. Mas, ela simplifica. Ela não complica. Subindo as escadas teoriza: sim, é lucro, não, continuo na mesma e a minha mesma é boa. A Duda não complica. A Duda me descomplica. E, desde que a Duda virou a Duda que me descomplica, toda vez que vou complicar a Duda abre a porta e diz: só vê se não complica. E, até tento orgulhar a Duda porque ela fala alto e com muita ênfase. Descrente, a Duda que me descomplica as vezes perde as esperanças em mim: tu vai complicar né? Vira, resmunga e bate a porta: vou até fumar um cigarro. Eu gosto da Duda porque a Duda simplifica, mesmo que não consiga. 

14 de outubro de 2012

ora pois



Acabei de receber um email de uma amiga que está em Portugal. Que coisa. Amigos espalhados pelo mundo. Que saudade dos meus amigos todos juntos, todos na mesma cidade, mesmo que nós não nos víssemos todo dia. Que coisa. Que pensamentinho de gaiola. Foi o mundo, então, que cresceu? A gente cresceu. Ela estava feliz, impressionantemente feliz. Imaginei as ruas que ela descrevia, os prédios, ela toda artista fotografando, se inspirando, vivendo, criando, embelezando o mundo. A maioria dos meus amigos embelezam o mundo. Deve ser por isso que tenho tanto orgulho deles. Deve ser por isso que tenho tanto orgulho dela lá. Ela que sempre disse que ia e foi. E só avisou, “to indo”. Que coisa. Que lindo. Ser livre assim. Que lindo ser livre assim, que lindo crescer assim, que lindo embelezar o meu dia com um email assim, que lindos são os emails longos. Que lindo. Que linda! 

13 de outubro de 2012

tudo sobre minha mãe


Desde que sai de casa passei a ter saudades antigas (porque existe a saudade nova, aquela de tempo recente). Não tenho muitas saudades do meu quarto (que virou quarto de hóspedes), por exemplo. Nem dos vinis do meu avô que ficavam espalhados nas paredes, nem dos quadros da Audrey, nem de sentir medo de ir até a cozinha porque tinha que andar o corredor inteiro. Não. Minha saudade ecoa em coisas específicas, como a mão da minha mãe. A minha mãe tem a mão mais bonita que já vi. E sei, porque reparo em mãos. Muito. A minha saudade propagou nas mãos da minha mãe fumando Benson Mentolado, nos tempos em que ainda era bonito fumar. Meados de noventa. Tenho a cena gravada. Unhas compridas, esmalte sempre clarinho, dedos finos e longos, o tal Benson Mentolado. Quando ela se expressava gesticulava com a mão bonita segurando o cigarro entre os dedos e acabava ficando numa moldura de fumaça. Minha mãe fumava bonito quando ainda era bonito fumar porque o fazia devagar e porque tinha a mão mais bonita que já vi. Todos na sala ficavam olhando pra ela. Os dedos compridos. O esmalte clarinho. Quando lembro dessa cena sinto falta do cafuné da mãe mais bonita que eu já conheci. Sinto saudade da mão da mãe mais bonita que já conheci. E é quando não aguento de saudade e acabo dormindo no quarto de hóspedes. 


11 de outubro de 2012

conselhos da moça loira do salão

- Tem que ser queridinha, mas não muito, senão acostuma mal. Tem que se mostrar braba também, mostrar quem manda. Sem essa de ficar sempre fazendo as vontades. Te faz de difícil, mesmo que as vezes tu queira fazer alguma coisa, te abstêm de fazer só pra mostrar que não tá aí, esperando. E, não, nunca, jamais, liga. Se ele quiser vai ligar. Se tu quiser vai ficar esperando. Mas, eu não te diria pra ficar esperando, se tiver esperando, por favor, finge que tá ocupada. Isso serve pra mensagens também. Por sinal, não esquece da regra da comunicação: máximo duas tentativas. Podem ser duas ligações, ou duas mensagens, ou uma mensagem e uma ligação. Se ele tentar se comunicar com mais de duas tentativas, minha querida, é chato. É batata. Daqueles grudentos, pegajosos, eca. Sai fora. Ele precisa ter bom senso. E tu também. Bom, daí se ele se comunicar tu manda uma mensagem. Ele responde. Mas, não dá muita bandeira. Responde o básico. Não te mostra desesperada e nem conta os problemas do teu dia. Sem problemas, os problemas são teus, não dele. Senão vira aquele tipo de mulher problemática que senta na mesa do restaurante e já sai logo contando um problema. Homem odeia problema. Ah, importante, sempre tenha os reservas, eles são essenciais. Valoriza os reservas. Uma conversinha aqui outra acolá. Que daí dá pra fazer um ciuminho. E fica sempre bonita, né gata?, unha feita, cabelo arrumado, rímel, depilação em dia. Faz uma academia também, né, porque... por favor. Mas, assim, te coloca sempre em primeiro lugar. Tem que se valorizar. 

- Depois de ser queridinha eu tinha que fazer o que mesmo? 

8 de outubro de 2012

"e o próximo instante, eu sei, é quase lá"


Insoniazinha desgraçada que apareceu por aqui. Fazia tempo que não tinha uma insônia dessas. Andei pela casa, abri a geladeira oito vezes e nada apareceu, não gostei do filme que passava na Globo, quis escrever pra alguém, desisti de tudo. Resolvi ler as coisas que eu escrevia há um tempo. Acho que uma das melhores ideias que eu tive na vida foi fazer o blog. Se dependesse da maneira como eu guardo as coisas que escrevo, certamente não teria mais nenhuma lembrança em papel. Onde será que foram parar os meus cadernos? Será que alguém os leu? Será que reciclaram? Será que eles viraram novos papéis e agora alguém escreve neles? Bonito, seria bonito. Daí que me dei conta de que a maioria dos meus dilemas envolvia TEMPO. Eu tinha dezesseis e falava sobre a dor do tempo passar. Que paranoia com o tempo e eu nem compartilho dos medos femininos de ver o tempo passar em mim. Fiquei atordoada com essa grilhice de tempo passar, de perder o tempo, tempo, tempo, mano velho. Me dei conta também de que, em 2012, temi os vinte e dois. Loucura com o tempo. Eu deveria ler alguém que me tirasse da cabeça essa coisa. Ou deveria pintar um quadro com um relógio derretendo e fingir que sou Dali e provar pra mim e pra todo mundo que odeio relógios. Se nesse quadro o relógio tivesse um inimigo esse inimigo seria o amor. Vai ver é isso. Vai ver eu era uma adolescente que não gostava do tempo porque ele era o inimigo do amor. Vai ver eu era uma adolescente que pensou demais nisso e bebeu cerveja de menos. Eu devia ter bebido mais cerveja pra não prestar atenção no tempo, pra pensar menos no amor. Eu deveria ter deixado eles se entenderem sozinhos. 

7 de outubro de 2012

"votar sou eu querendo ser nós"


Lá em casa todo ano de eleição era bem agitado, com direito a muita discussão, carreata, comício, bandeira, adesivo, atenção no horário eleitoral, meu pai voltando com alguma novidade que escutou na esquina do Café Aquários. Nos tempos de eleição eles ficavam mais cheios de vontade, minha mãe ficava mais ocupada e meu irmão fumava mais. Nos domingos de eleição todos nós ficávamos na sala esperando a contagem dos votos, eles tomavam cafezinho, ansiosos e eu, no meio, desejava ter dezesseis anos pra poder participar daquilo. Por vezes tinha festa da vitória com choro emocionado, por vezes eu ficava triste porque via meus pais desesperançosos. O que eu via era esperança e entendia o que aquilo representava. Mal sabia de qualquer coisa da vida, mas entendia. No meu olhar infantil tinham os malvados e os bonzinhos (os quais transformariam o país em um lugar melhor pra se viver). E, claro, os meus pais estariam ao lado dos bonzinhos, sempre. Um dia eles desistiram. As bandeiras foram desaparecendo, os adesivos foram deixando de ser colados e assim por diante. Depois de um tempo consegui perceber que foi um sentimento que envolveu muita gente. Não só lá em casa. O que incomoda mais.
Hoje é domingo. Dia de eleição. Tive que justificar meu voto, o que doeu, a sensação foi de colocar toda a esperança em uma sacola de lixo e assinar. Não tem todo mundo na sala esperando a contagem de votos, não tem cafezinho, não tem festa da vitória, não tem partido, não tem lado, não tem malvado e não tem bonzinho. Tem um fiozinho de esperança nos meus grandes amigos que entraram na política e nos meus amigos que se esforçaram em permanecer atentos nas eleições de Pelotas e que, em sua maioria, me pareciam firmes na ideia de mudança. Tem um fiozinho de esperança naqueles que nem conheço, mas que levantaram a bandeira do amor em São Paulo. Tem um fiozinho de esperança na nossa geração. Fiozinho de esperança que, pelos meus pais e pela vontade de ver a melhora do país que sempre vi nos olhos deles, espero nunca perder. O Galeano disse e nesse domingo vou ficar mentalizando: “Esse mundo de merda está grávido de outro”.