9 de junho de 2012

Reflexões de uma gripe


 “Tá tocando Jota Quest, fica tranquila e vê se melhora”. Recebi essa mensagem a uma da manhã, de uma amiga que sabia que eu só queria estar bem e ouvindo música boa. Sai do trabalho saltitante, coloquei meus fones, voei em casa, peguei minha mala e fui direto ao encontro dos meus amigos. Só que deu tudo errado. Foram três horas e meia de muito sofrimento. O moço que sentou do meu lado já não sabia se me acudia, se me oferecia uma água ou se só me garantia que ia ficar tudo bem mesmo. Levanta, senta, caminha pelo ônibus, dói aqui, dói ali e um mal estar que nunca ia embora. Nisso, baixinho, eu já recitava: “descansem o meu leito solitário, na floresta dos homens esquecida, à sombra de uma cruz e escrevam nela: foi poeta, sonhou e amou na vida”. Tá, não foi dessa vez que eu morri e eu nunca fui poeta. Era só gripe mesmo ou o tal “rotavírus”, seja lá o que isso for. Ou, de acordo com o Seu Jeco: “isso é o frio que tu tens passado, nunca vi sair de casa pra passar frio”. Perdi o samba, mas ganhei a história sobre o junho mais gelado que meus pais já vivenciaram: o tal de 1990. Perdi o samba, mas ganhei a possibilidade de ver o documentário do Woody Allen no Telecine Cult (saudoso Telecine Cult) e seguir com o meu preconceito. Perdi o samba, mas meu drama acarretou um belo fogo na lareira e muito mimo. Fiquei tranquila, e ó, desse jeito vai ser facinho melhorar.

Acordei sem força nem pra caminhar, mas tinha compromissos a serem compridos. Bobagem. O compromisso era comigo mesmo e poderia facilmente ser adiado. Mas, não. “Levanta, bamboleia, sacode a poeira e vai pro dia de beleza que tu tinhas marcado”, foi o que minha consciência me disse, e eu, em um ato difícil de ser visto, escutei. Lá estava a doente, sentada em frente ao espelho, ouvindo que o Maicon não valoriza a fulana, que o Kléber só sabe olhar pro seu próprio umbigo e pensando: gente, que tal uma marcha pelos novos assuntos no salão? Peguei minha revista e parei de dar pitacos nos relacionamentos alheios. Eu assino a Lola há um tempão, só que leio sempre com um delay porque chega na casa da minha mãe e tenho preguiça de pedir pra mudar o endereço. Resolvi assinar porque talvez seja uma das poucas revistas femininas que fale da grandeza do universo feminino e não seja um passo a passo de como dominar seu homem na cama. A edição desse mês foi como a primeira vez que vi Ipanema. Não tem nada a ver, eu sei. Mas, é uma sensação de que tudo aquilo poderia ser escrito pra mim, pra eu ler em um salão com alguém falando sobre seus problemas com o marido ao fundo. Ipanema foi mais ou menos isso, eu mais ou menos já me sentia parte de tudo aquilo quando cheguei lá. Uma das matérias mais legais (difícil escolher) chamava “Tudo muito demais” e quis xerocar e deixar embaixo da porta de cada amiga minha. Era simples e falava sobre nossa visceralidade, sobre o nosso dilema em ser tantas ao mesmo tempo e sobre como a gente se autocrítica facilmente. Mas, uma coisa me chamou a atenção “Fazer drama, inclusive através do nosso vestuário, é a nossa vingança! Quando ocorre o drama é que soltamos os nossos fantasmas, os bichos, as inconsciências”. Achei isso tão verdadeiro e tão lindo que, além de me tornar uma leitora mais fiel, de bandeja ainda disse a moça: veste um vestido bem bonito e dá logo um pé na bunda do Maicon.

Perdi meu celular na rua. Cheguei em casa recitando o mantra “Lanna fazendo Lannices” e me culpando, muito, por ser assim tão desastrada. Uma pessoa em uma parada de ônibus achou e me devolveu. Se o meu mundo não é feito de cetim, eu não sei do que é.