
Dormir só adiantou um pouco pra amenizar a minha cabisbaixisse.
Síndrome agude de cabeça baixa. Sentimento gigantesco de “fiz merda”. Sem remédio.
Dor agudíssima. Bateram-se portas e mais portas e coisas foram quebradas na
minha casa. Janelas que dão pra Tomaz Flores aos gritos. As berros. “PORRA,
LANNA, PORRA, PRA QUÊ? TU É A PIOR PESSOA DO MUNDO”. Não há ninguém no mudo
pior do que eu, ele afirmava e a certeza dele me fazia ter certeza também. Pra
quê? Não sei, pra nada, por pulsar, porque sim, porque aconteceu e ninguém tem
culpa por pulsar, por ter coração pulsante, por viver e por beber cerveja
demais. Porque sim era a resposta. Simples assim. Simples porque todos nós
estamos vivendo e não só existindo. Viver nos deixa muita brecha pra fazer
merda. Acredito que Capitu não baixou a cabeça quando ofendida. Olhos de cigana
oblíqua e dissimulada. DISSIMULADA. Nunca ninguém soube o erro de Capitu, houve erro? Porque
sim era a minha resposta, arquemos com ela. A desculpa era por não ter outra. Se
minha resposta é vaga é porque meu coração é grande. E aberto. E porque eu
vivo. Sinto muito.
Sentimento de cabisbaixisse. Dor aguda do caramba. Onze da
manhã de um domingo no Bom Fim. No meu fone tocava “O velho e o moço” e eu saia
do supermercado carregando uma sacola com: água, massa, cigarro e guisado. “Se
o que eu sou é também o que eu escolhi ser, aceito a condição”. Sempre tive a
total certeza disso. Na minha frente uma senhora caminhava a passos lentos:
camisa laranja, cabelo comprido e branquinho quase reluzente preso com um
prendedor de cabelo, bolsinha em uma mão, sacolas do supermercado em outra. Caiu.
Tropeçou na calçada da Fernandes Vieira. Larguei todas as minhas coisas no
chão. A levantei. Perdeu um dente, machucou o rosto. Juntei as sacolas dela, a
agarrei pelo braço, vamos pra casa, vai ficar tudo bem. De braço dado comigo
contou histórias. Dona Maria, 89 anos, 30 deles no Bom Fim. 30 anos vivendo na
Santo Antônio. Ainda acorda aos domingos e faz almoço pra família, mas estava
triste porque hoje o filho não apareceu pra almoçar. O filho noivou e agora só
quer saber da noiva. Chegamos. Sacolas no lugar. “Minha filha que pessoa boa
que és, pode ter certeza que vou rezar por ti, que nome bonito que tu tens”. Ela
afirmava com tanta certeza que a certeza dela me fazia ter certeza também.
Chorei. Aos prantos. Não “porque sim”. E sim “porque nós
vivemos”. Dois moços sendo inconsequentes. Um velho e um moço. Todos nós que nos encontramos pelas ruas do Bom Fim. Todos nós com o coração meio machucado no
Domingo. Não importa. Nós vivemos. Nós estamos vivendo.
"Ganha-se a vida, perde-se a batalha!"