28 de janeiro de 2014

vamos dar um tempo

Só por aquele dia eu casaria contigo. Esqueceria que com mais de cinco minutos juntos nós brigaríamos, que o jeito como tu levanta a sobrancelha me irrita, que não concordamos em quase nada que envolva trabalho, que tendemos a rejeitar os amigos que rodeiam o outro. Por aquele dia eu esqueceria das vezes em que construí as palavras que tu deveria dizer e tu não disse. Por aquele dia eu esqueceria todas as vezes em que saí furiosa pela rua. Esqueceria o dia em que tu me deu um pé. Esqueceria as cenas em que tu foi embora e eu pensei que nunca voltaria. Por aquele dia eu esqueceria que tu reaparecia na minha vida e eu me deixava levar. Por aquele dia eu suportaria o teu jeito cheio de marra, o teu ego lá no céu, o modo como tu acha que as pessoas não são boas o bastante. Boas pra mim. Boas pra ti. Como se nós fossemos grande coisa no meio disso tudo. E também suportaria que tu sempre escolhe as pessoas erradas pra admirar. Por aquele dia eu suportaria saber que tu teve passado e que tu tem futuro e que nada disso depende de mim. Por aquele dia eu não me importaria que tu pensasse que é meu dono e falasse comigo como se debochasse do amor que eu sinto só porque tem esse poder. "Tu não admite, mas tu me ama mais que qualquer coisa". Só por aquele dia eu deixaria de te dizer que tu não é, que eu sou do mundo, que qualquer um pode concorrer contigo e que muitos tentam. Não podem. Por aquele dia eles não podem. Por aquele dia eu confiaria a minha terapeuta a minha vontade de te trancafiar, a minha vontade de te abandonar, a minha vontade de te esquecer, a minha vontade de voltar. Por aquele dia eu aprenderia a expressar os meus sentimentos, a não temer, a me desligar. Por aquele dia eu te confessaria que fui até lá matar os fantasmas que me atormentavam durante todo o nosso relacionamento e que quando vi eles não existiam mais porque fantasma só existe pra quem sente medo. Por aquele dia eu levantaria a bandeira branca, te juraria mundos e fundos, te ofereceria uma vida, segurança, foda e filhos.  

Acontece que o tempo passa. Vai chegar o dia em que já não vamos saber quem que abandonou o barco, quem se perdeu no caminho, quem conheceu outras pessoas, quem trocou a janela de um pra responder a janela de um outro. Vamos virar pessoas de amigos em comum que sabem de notícias esparsas e fingem se importar. A sensação de peito quente que nós sentimos naquele dia vai virar só uma lembrança de um dia bom. E um dia vamos combinar de tomar um café só pra provar que estamos bem, que namoramos pessoas incríveis, que o trabalho é incrível, que estamos ficando ricos, que vamos casar com um fulaninho qualquer chamado Pablo. E o Pablo vai chegar em um sedan de aposentado comprado em 60 parcelas e tu vai dizer que a conta fica contigo. Eu vou ir embora. Tu vai seguir com a tua vida brilhante e cheia de sucesso. 

Porque é isso que o tempo faz quando a gente para de se importar. O tempo passa e leva a vida da gente sem a gente ver. E a gente acha que essa vida automática é boa até o dia de olhar realmente para o Pablo. E aí a gente olha pra ele e vê que de nenhum jeito, em nenhum lugar, nem por nenhum esforço, ele faria eu sentir as coisas que senti naquele dia. 

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