29 de novembro de 2010

afável gesto de ser inesquecível


Eu devia ter uns cinco anos quando minha mãe – que sempre foi de muitos admiradores e amigos – fez uma amiga russa. Lembro dela ser ruiva de doer e - na minha feliz ignorância- seu português era uma gracinha. Um dia minha mãe apareceu em casa com uma Matrioska que havia ganhado de presente dela. Lembro da minha mãe abrindo bonequinha por bonequinha, dispondo-as na mesa uma a uma, e eu com olhos de admiração, ouvia a lenta explicação sobre família e como aquilo era muito bonito. O que pode parecer um afável gesto de carinho da amiga, da minha mãe, do homenzinho russo que inventou as bonequinhas, para mim até hoje representa muito mais. Representa uma infância e vida com filosofias diferentes sobre aquele presente. Ainda não sei bem. Mas, acredito que toda mulher é um renascimento de suas gerações. Das bisavós, das avós, das mães. Remodela a saia, busca aquele sapato que fica um tantinho apertado, aquele echarpe que voltou a moda, aquele anel que ficou de herança. Nós somos quem elas eram antes, só que com outras chances e com conselhos que não vamos ouvir nunca. Nós somos elas customizadas, com lavagem anos 2000. E quando antes eu observava aquelas bonequinhas e dizia “Olha, essa pequeninha aqui sou eu, mãe!”, hoje penso que sou aquela que abriga as outras. Todas as grandes mulheres da minha vida estão no recheio da minha alma.

sobre as coisas que ele reclama

Ele reclama que eu escrevo coisas tristes, mas mal ele sabe do bem que me faz. Ele reclama que eu reclamo muito, mas mal ele sabe que quem o faz vive mais. E eu vivo muito com ele. Ele reclama sobre as minhas inspirações e mal sabe que eu viveria com ele só pelo fato de ser ilustrador. Nem precisava ser malabarista. Nem cozinheiro. Nem andar de monociclo. Vai ver nem precisava saber de história da arte, nem sobre os touros do Picasso e nem me corrigir quando eu falo do Cezanne. Ele reclama que eu escondo os problemas e reclamo muito. Acontece que ele não combina com coisa que dá errado. Então eu fico quietinha e escrevo sobre as coisas infelizes. Porque com ele eu falo muito. Pena que não falo sobre as coisas que ele reclama.