31 de agosto de 2010

o som do dia chuvoso

Quando a gente fica ausente, existe um lugar onde possa deixar o coração como um cabide de casacos? Taí, um cabide para pendurar o coração. Depois a gente volta, tira o pó e veste de novo. Quando a gente vai para festa, existe um lugar onde possa deixar o coração como em uma chapelaria? Taí, uma chapelaria para guardar corações. No fim a gente volta, entrega a senha e veste de novo. Quando a gente se sente triste, existe um lugar onde possa alugar corações como em uma locadora de filmes? Taí, uma locadora de corações. Quando cansar do novo a gente devolve, paga o aluguel e veste o velho. Se não, algum artista poderia inventar.


Ao som de:




18 de agosto de 2010

sobre o ombro inimigo

E ele respondeu: "O amor é lindo, Pequena. As pessoas é que são cruéis."

15 de agosto de 2010

diagnóstico

Ontem lembrei que na pré-escola me mandaram pintar um gato. Pintei o corpo verde, manchas em rosa e amarelo, os olhos de laranja e todas as cores que podiam estar lá. Um verdadeiro gato psicodélico, mas bem simpático. Então fui advertida, um verdadeiro escarcéu, chamaram minha mãe, a professora alegou que eu deveria ter algum tipo de “problema”. Quinze anos depois me ocorreu que existe a possibilidade dela estar certa. E isso me pareceu muito bom.


para ouvir no domingo:




13 de agosto de 2010

cá entre os nós


cetim ilustrado por luiz marcel

Te espero chegar porque assim escreveria menos e conversaria mais, sobraria mais papel e menos disposição. Te espero chegar porque acho lindo quando carregas uma mochila que quase tem meu tamanho - e quando chegares quero ver carregar a mim e a ela até o Uruguai ou qualquer lugar onde o Belchior se esconderia. Te espero chegar porque sinto falta do teu arroz, mesmo que eu nem goste tanto assim de arroz. Te espero chegar porque te ver zonzo no corredor dos chocolates, concentrado no corredor da faculdade e fingindo fúria no corredor de casa, são cenas cotidianamente encantadoras. Te espero chegar porque não consegui desatar o nó. Te espero chegar porque é muito melhor te esperar chegar a não te ter por perto e só.

12 de agosto de 2010

caso de morte ou morte

Ela tinha um livro sem nome, um vestido da sorte e um amor impossível. Nunca deu nome ao livro porque se esqueceria dele, nunca usou o vestido porque não encontrou dia especial e o amor impossível morreu de medo. Ou tédio.

9 de agosto de 2010

a menor história do mundo

A menor história do mundo dentro de um livro que coubesse dentro da palma da tua mão. Desde sempre a idéia foi essa. Hoje minha saudade faz dela um jeitinho de te ter por perto. Na sequência:

dedicatória
E só existe uma pessoa no mundo que entenderia a menor história do mundo, “você”.

capítulo 1_toda beira é final de dois

Quando fecha os olhos fica meio sem jeito de perguntar pela enésima vez o que se passa pela cabeça dele. Na verdade, acha que na maioria das vezes nada pensa. Idealiza a resposta: Penso em “você”. Pensamento bom, pensamento ruim, qualquer que seja. Como acontece com ela durante o dia todo. Responde: Nada. E a deixa sossegada. O fato de ser tão tranqüilo manterá o compasso. Faz silêncio por cerca de dois segundos, tempo o bastante para ela prestar atenção na luz que entra pela frestinha da janela e plagia a lua. Ela ainda desconfia que ele foi quem mandou colocá-la ali. Que foi ? Ele pergunta. Nada, ela diz. "Só acho que eu poderia escrever a menor história do mundo sobre a gente".

capítulo dois 2_ela

(Uma história que começa com ela para que ela seja eu, e eu apenas seja a voz que narra a história bonita.)

Café a cada cinco minutos. Disfarça que é para produzir mais, ter mais idéias, sentir-se mais acordada. Mente, o vício é pelo ar saudosista de uma Paris que nunca conheceu e de um inverno que não seja úmido. Perde na banqueta os livros misturados as revistas que escondem as canetas, os óculos e os pedaços de papel onde anota versos. Diz que Camelo é o melhor porque as músicas dele doem, que na teoria de boteco bom mesmo é quem fala mais alto, que acredita em amor, mas que dele quer distância.

capítulo 3_ele

Criou um mundo chamado “Folha em Branco”. É para lá que ele foge quando fica em silêncio por alguns minutos. Transforma o branco em cor, linha e devaneio. Tem sempre um pensamento convertido em arte nos objetos pelo quarto, nas roupas que usa, no cabelo que faz com que as crianças fiquem abismadas. Perde na banqueta as tintas misturadas aos pincéis que escondem as canetas, os óculos e os pedaços de papel onde anota versos. Diz que Amarante é o melhor porque as músicas dele trazem uma história, que bom mesmo é quem discorda, que acredita no amor, mas que não é hora.

capítulo 4_eles

Alguém tinha que dar o primeiro passo. Ela disse: “E então, tem gostado da cidade ?”. A Satolep que para ela parecia tão pacata e pequena tomara novos ares desde a chegada de tantos desconhecidos. Ele disse gostar, com ar de que esperava mais, um pouco mais de tudo. “Pede mais um copo”, “Conta mais como é aquela parte do Rio de Janeiro”, “Acho que você adoraria a Lapa”, “Você ? Que engraçado ouvir você!”. Alguém tinha que dar o segundo passo. Ele surgiu, lento e veemente, um beijo e enfim.

capítulo 5_como convém que seja

Ele canta, toca gaita, faz bolinhos para saborear depois de preparar o jantar. Sente vergonha quando a casa anda suja, quando não consegue chegar no horário. Ele tem um jeitinho manso, como quem não se preocupa a longo prazo, como quem vai viver por mais de cem anos. Traz uma poesia escrita no papel rasgado do caderninho onde desenha, paga um café, passa no supermercado só para matar aquele desejo que ela falou. Ele escuta tudo que ela diz, mesmo que pareça sempre distraído. Ela reclama. Pede atenção. No fundo sabe que ele se dedica, só não o chama de príncipe encantado porque tem um ar vadio. Mas gosta, afinal, assim fica mais charmoso. Ela fala muito e geralmente o atordoa com tantos pedidos e manhas, mas gosta mesmo quando escolhem sempre a opção mais simples para o sábado. Ela escreve um poema em pensamento toda vez que ele mexe nos seus cabelos, vai passando pela orelha, vai chegando ao pescoço e a segura com força, como quem não a deixa escapar por nada. Eles acreditavam no amor, perto, oportuno, (s)enfim.

7 de agosto de 2010

los gritones

Há de se compartilhar tudo que é bom...

2 de agosto de 2010

deixa pra amanhã

A gente deveria ser forte, não ligar para o que os outros falam, não escutar as mazelas daqueles que não querem a gente bem. A gente deveria pensar grande, nos verdadeiros problemas do mundo, na fome, na miséria. A gente deveria ser menos afetuosa, menos idealista, menos egoísta, menos sonhadora. Mas acontece que, no fundo, a gente sabe onde erra. E quando alguém fala em voz alta, parece um verdadeiro chá de consciência. Banho de água fria. A gente não é forte, a gente liga para o que falam, a gente escuta mazela e acredita que um problema nosso é maior que a fome no mundo. E mesmo que isso seja muito feio, ainda não tive iniciativa de mudar tal situação. Amanhã volto a ponderar sobre outros. Hoje vou cuidar do rei da minha barriga.

Maman, je suis cliche

Domingos geralmente são chatos. Trazem uma cara de melancolia que me angústia. Fico rabugenta e na maioria dos planos ofertados não vejo diversão alguma. Hoje foi diferente, dei sorte. Zapeando a TV me deparei com algo que me faria pensar o resto da noite. Eis que o homem inventou o “Telecine Cult”. Então, “Hell Paris 75016” foi um dos melhores livros que já li. Existem alguns que vão além da cabeceira - taí um bom apelido para móvel -, e este foi um deles. Fútil, mas forte, - vai ver é porque era adolescente e com ele aprendi algumas sacanagens -. Quando passei pelo canal, iniciava o filme com o mesmo título. Eu, meu preconceito com versões cinematográficas dos meus livros e ninguém mais, assistimos a maluquice de Lolita Pille em cores. Sou daquelas chatas, critiquei Budapeste, Dom, Benjamin, discuti com quem entendia disso muito mais do que eu. Dessa vez foi diferente. “Hell” é deveras uma obra prima e, me calo. Já era em tempo de dormir e acordar cedo na segunda. E, felizmente, iniciou “Bonecas Russas”. Cheguei à conclusão que, enfim, cinema francês é uma delícia mesmo. Não porque os personagens são mais quentes, nem porque geralmente fumam – e isso faz com que eu me sinta mais aceita pela sociedade -, mas porque hoje fui deveras convencida de que ninguém faz isso melhor que os caras. Dormirei com vontade de largar tudo e escrever romances, comprar uma câmera, estudar fotografia, encantar a vida dos outros. E mesmo que eu saiba que não vai acontecer, é exatamente isso que um filme deve causar: Vontade de desligar a TV e ir viver tudo ao vivo. Pensamento clichê, domingo clichê. Não podia ser melhor!