28 de novembro de 2006

E nenhuma pessoa grande jamais compreenderá que isso tenha tanta importância



Tempos destes encontrei entre caixas empoeiradas e traças livros da minha infância. Uma porção deles. Só a pouco voltei a abri-los e o escolhido foi Antoine de Saint-Exupéry em sua inesquecível fábula sobre o menino em seu planeta desabitado.
Era como voltar a ser criança, ter novamente medo de ser comida por uma Jibóia e convencer-me de que sim, flores falam.
Tenho vontade de passear por esta Via Láctea, o desconhecido chama-me atenção. Seria assim como flutuar, ir de par em par, fazer novos amigos – todos diferentes. Seria como fugir ao inatingível.

“Se tu vens, por exemplo, ás quatro da tarde, desde as três horas eu começarei a ser feliz” (O Pequeno Príncipe)

Silêncio

Os segredos de amor. Não há no mundo segredos maiores como o infinito diálogo dos apaixonados. Estes têm entre si uma conexão invisível, é estar discutindo a variedade de sensações no silêncio do passar das mãos, é estar apenas de mãos dadas e saber exatamente onde se quer estar.
Estes mistérios nunca são compartilhados com meros mortais; eles não entenderão. Ficarão perdidos em seu mundo comum e suas vidas medíocres - repletas de orações compostas e marmotas. Chamarão de tolos e loucos, marionetes do sentimento, para pior. Eis os que raciocinam demais. Acabam por perder o melhor de tudo.
O homem desde sua criação sonha com máquinas supermotoras e alta tecnologia para descobrir o que exatamente o outro pensa. Há quem arrisque feitiçaria, há quem olhe fixamente para os olhos. Bobagem. É preciso apaixonar-se para saber, deixar-se levar, ficar bem quietinho, ir sentindo devagarzinho e então ouvir o coraçãozinho da menina sussurrar: Morrerei em sua nuca.
Mesmo que o menino esteja adormecido.

“E só eu que podia, dentro da tua orelha fria, dizer segredos de liquidificar” (Cazuza)

Dos olhos d'água



Tão somente menina, adornada de laços nos cabelos e sapatilhas apertadas nos pés. Aladas, com jeito de voar para onde fosse, mesmo que somente em seus sonhos. Seus olhos negros contrastavam com as águas calmas daquele velho lugarejo, a pequena praia escondida entre as montanhas de seu pensamento. Acompanhavam as ondas como sinfonia dos silêncios, poderia até mesmo escutar a voz de seu amor. E este sussurrava no coração da pobre menina:
-Terra a vista Marujos!
Todos o dias traçava o mesmo caminho pela areia branca, repleta de bichinhos que a menina faziam companhia, todos os dias ficava a olhar o mar e esperar. Dia este que nunca chegava. Desvanecida de amor não perdia suas esperanças, fitava as ondas, fitava o céu, olhava para dentro de si e nada avistava.
Cansada da longa espera resolveu mudar seu rumo e caiu. Um abismo tão profundo e intenso. Lá não havia ar, nem cor, nem bichinhos para se conversar. Tudo era cinza, feito de concreto e aço, como um grande e feio monstro.
Acordou assustada, olhou imediatamente para seus pequenos pés e neles não encontrou suas asas, olhou em sua volta, fechou os olhos almejando voltar a adormecer, abriu-os novamente e deparou-se com uma vida inteira a esperar por seu amor, não mais em sua nuvem, mas em seu mundo real.

“Morena dos olhos d'água, tire os seus olhos do mar
Vem ver que a vida ainda vale o sorriso que eu tenho
pra lhe dar". (Chico)