Quando já tava nessa cidade há uns seis meses pensei que quando
completasse um ano da minha chegada aqui escreveria uma carta endereçada a mim
contando como foi. E uma aos amigos que fiz aqui, agradecendo e convidando pra
mais alguns desses de histórias pra contar. Aos dez anos aqui ou em qualquer
outra cidade que me acolhesse eu leria a carta e lembraria como foi aquele
primeiro ano em Porto Alegre. Turbulento. Incansável. De muitas noites sem
dormir. Ainda não é dia o dia escolhido pra escrever a carta, mas é final de
ano e, se a publicidade agir em mim como deveria, é época de emoções à flor da
pele. Por sinal, a frase à flor da pele me lembra que quando era criança ganhei
uma “agenda da tribo” em que dezembro vinha com a música do Zeca Baleiro. “Ando
tão à flor da pele que qualquer beijo de novela me faz chorar”. Feliz, ando à
flor da pele feliz. Dezembro é meio beijo de novela. Meio propaganda do
Zaffari. Onze meses de Porto Alegre.
Eu sempre soube que iria morar aqui. Nunca soube como seria.
Perdi muito ao vir e ganhei muito chegando. Uma balança que nunca despencou
muito pra um lado ou pra outro. Deixei uma vida de dois, virei um, aprendi em
alguns momentos a ser dois de novo, desaprendi. (No livro que eu ando lendo “O
que é o Amor” a autora diz que os amantes são sempre ignorantes). Aprendi aqui,
sentada vez ou outra no Cantante, a costurar o meu coração só pra poder rasgar
de novo. Porque viver é andar por aí rasgando o coração. Ninguém deixa de fazê-lo
porque aprendeu a ser mais forte ou mais sábio. E, também não quero, nunca, esse
tipo de sabedoria. Aprendi, tomando um “Carioquinha”, a administrar a balança
(infelizmente não a do meu peso). Felicidade, dinheiro, gastrite, amor. E, por
aí vai.
Dei jeito no que tinha que dar. Troquei lâmpadas. Gritei de
câimbra na panturrilha (herança genética que me atordoa e que me traz
sentimento de casa) sem meu pai por perto pra trazer Gelol na madrugada. Fui,
na maioria do tempo, radiante. Emocionada. Deslumbrada. E o Aurélio diria “que
se entusiasma facilmente por algo”. O melhor sentido da palavra deslumbrada.
Uma ótima palavra que perdeu o valor nas bocas por aí. Uma ótima definição pra
esse tempo aqui.
É terça. E adoro terças. Me vi de frente. Sem fantasia. Me
olhando no espelho e pensando: eu passei por isso. Eu consegui me virar. Onze meses
conseguindo me virar. Sem deixar nenhum aluguelzinho sem pagar, passando uma
semana com apenas alguns trocados na carteira, descobrindo novos lugares que
são meus, comprando uma pilha de livros que não tenho tempo pra ler, cultivando
amigos e fazendo jantares pra comemorar que eles existem e que sempre se
arranja tempo pra eles.
Eu que sempre fui meio descrente de mim consegui onze meses.
Sem contar. Acordando e perguntando: hoje é dezembro? Hoje é. Que tempão que
passou. E, como passou rápido. E, ainda tem um mês pro dia da derradeira comemoração
que certamente vai passar voando e vamos todos gargalhar lembrando daqui a
muito tempo. “Vamos celebrar nossa própria maneira de ser”. Desorganizada,
quase sempre meio de chegada, quase sempre meio feliz até triste, deslumbrada.
Feliz onze meses, Porto Alegre.