5 de junho de 2012
mirando
Liniers Animado - Bonjour: Un Ósculo Suyo from GAZZ.TV on Vimeo.
Liniers Animado - La Vaca Cinéfila from GAZZ.TV on Vimeo.
O Liniers só não mora no coração de quem não deixa.
“Pois é, não deu.”
Toda pessoa que faz a pergunta “e vocês?” não sabe que toda
vez que escuto essa frase tenho vontade de arremessar uma garrafa na parede. Não
porque a pergunta não faça sentido, mas porque existe uma aura de descrença, de
“modernidade líquida”, de história de relacionamento raso que a gente comenta
sem se aprofundar, porque eu teria que explicar muita coisa antes de ousar
falar qualquer coisa sobre a gente. Toda pessoa que me faz essa pergunta não
para pra pensar nas noites sem dormir, nos filmes que deixei de ver, nas
músicas que deixei de ouvir, nos bares que deixei de me sentir feliz, nas ruas
que não consigo passar, nos emails que escrevi aos amigos, nos porres que tomei
pra esquecer. Toda pessoa que me faz essa pergunta não sabe que não existiu a
cena de ir buscar as minhas coisas na casa dele porque já não existia mais o
espaço que era só dele e que não era meu também. Toda pessoa que me faz essa
pergunta não sabe que a gente dividia uma vida e o mesmo teto e que, como de praxe, era
tempo dele fazer a mala e ir embora e ele foi e tudo mudou. Acho que perdi as
contas das vezes que vi ele fazendo a mala e até hoje não gosto de malas, nem
de aeroportos, nem de despedidas. Eu odeio todas as despedidas e acho que é por
isso que não consigo dormir cedo. Toda pessoa que me faz essa pergunta não sabe
que um dia fiz uma mala também, que fui embora, que por algum tempo esperei que
ele viesse atrás de mim e ele não veio. Toda pessoa que me faz essa pergunta
não sabe que ele só tinha uma mania chata e que essa mania era apertar a minha
costela e aí eu estipulei que a quinta-feira era o único dia da semana que ele
podia fazer isso. Toda pessoa que me faz essa pergunta não sabe que a gente se
abraçou e comemorou quando chegamos ao final do Mario Bross 3 como se fosse
final de copa do mundo. Toda pessoa que me faz essa pergunta não sabe que todo
dia nós sentávamos no mesmo café ao lado da faculdade e que ele sacava um
bloquinho e ficava desenhando e não me dava bola, mas que eu achava aquilo tudo
tão bom e familiar que meu coração ficava tranquilo por saber que no dia
seguinte nós estaríamos lá de novo, só que acabou a faculdade e ele deve continuar indo no mesmo café e eu não. Toda pessoa que me faz essa pergunta não
sabe que as vezes ele só queria dormir, mas eu queria muito, muito, ir pra
praia e ele ia e dormia e ficava com o nariz vermelho. Toda pessoa que me faz
essa pergunta não sabe que ele foi a pessoa mais calma que já conheci e que ele
não tentaria me convencer de nada, não por preguiça, mas porque “logo tudo se
ajeita”, só que não se ajeitou. Toda pessoa que me faz essa pergunta simplesmente
não sabe a estranheza que o olhar dele trazia quando apareceu aqui com um
quadro nas mãos, quando eu chorei e quando ele disse que eu tinha que viver e
que ele daria um jeito. Toda pessoa que me
faz essa pergunta não sabe que minha mãe diz nascemos com um problema e que
esse problema se chama “imediatismo”, ela diz que um dos motivos do meu pai
ser o amor da vida dela é que ele sempre correspondeu ao sentimento “imediato”
das vontades dela, e realmente aceito que tenho esse problema e que ele é
genético, mas apostava que ele também poderia ser o amor da minha vida porque ele
sentia quando eu ia ter uma crise e que as soluções saiam da minha alçada e,
tranquilamente, em silêncio, levantava, pegava a bicicleta e milagrosamente
resolvia os meus problemas. Toda pessoa que me faz essa pergunta não sabe que ele
sentiria vergonha de mim porque tento ser uma pessoa boa, mas sou uma fraude, e
porque mesmo sabendo que erro, sigo errando e ele nunca concordaria com os meus
erros porque nem carne ele come porque alguém sofreu e ele não deixaria ninguém
sofrer por uma vontade dele. Toda pessoa que me faz essa pergunta não sabe que
dele cobrei tanto, fui tanto, senti tanto, ciúme, felicidade, amor e dor, que
ele me odiaria se soubesse que sei ser diferente dessa intensidade toda. Toda pessoa que me faz essa pergunta não sabe que tudo que vier daqui pra frente parece tão pequeno perto da grandeza do coração dele, que inflava e se tornava um balão, que me levava e me oferecia um mundo, mesmo que o mundo fosse um quarto todo bagunçado e cheio de desenhos pelo chão que eu reclamava porque ele não cuidava, mas que não importava porque era nosso.
Toda
pessoa que me faz essa pergunta não sabe, nem nunca vai se interessar por
saber, que nenhuma resposta seria simples. Toda pessoa que me pergunta “e
vocês?” recebe um sorriso amarelo que vem sempre acompanhado da frase “pois é,
não deu” e o pensamento: uma garrafa se explodindo na parede.
Uma vez ouvi que o tempo pra hemorragia de uma dor de amor é
cerca de seis meses. Hoje li isso em um livro. Parei pra pensar e faz seis
meses da última mala que vi ele fazer. Acho que chegou a hora. “Avisa que é de
se entregar pro viver” e vamos lá.
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