Desde que sai de casa
passei a ter saudades antigas (porque existe a saudade nova, aquela de tempo
recente). Não tenho muitas saudades do meu quarto (que virou quarto de
hóspedes), por exemplo. Nem dos vinis do meu avô que ficavam espalhados nas
paredes, nem dos quadros da Audrey, nem de sentir medo de ir até a cozinha porque tinha que
andar o corredor inteiro. Não. Minha saudade ecoa em coisas específicas, como a
mão da minha mãe. A minha mãe tem a mão mais bonita que já vi. E sei, porque
reparo em mãos. Muito. A minha saudade propagou nas mãos da minha mãe fumando Benson
Mentolado, nos tempos em que ainda era bonito fumar. Meados de noventa. Tenho a
cena gravada. Unhas compridas, esmalte sempre clarinho, dedos finos e longos, o
tal Benson Mentolado. Quando ela se expressava gesticulava com a mão bonita segurando
o cigarro entre os dedos e acabava ficando numa moldura de fumaça. Minha mãe
fumava bonito quando ainda era bonito fumar porque o fazia devagar e porque
tinha a mão mais bonita que já vi. Todos na sala ficavam olhando pra ela. Os
dedos compridos. O esmalte clarinho. Quando lembro dessa cena sinto falta do
cafuné da mãe mais bonita que eu já conheci. Sinto saudade da mão da mãe mais
bonita que já conheci. E é quando não aguento de saudade e acabo dormindo no
quarto de hóspedes.