“Tá tocando Jota Quest,
fica tranquila e vê se melhora”. Recebi essa mensagem a uma da manhã, de uma
amiga que sabia que eu só queria estar bem e ouvindo música boa. Sai do
trabalho saltitante, coloquei meus fones, voei em casa, peguei minha mala e fui
direto ao encontro dos meus amigos. Só que deu tudo errado. Foram três horas e
meia de muito sofrimento. O moço que sentou do meu lado já não sabia se me
acudia, se me oferecia uma água ou se só me garantia que ia ficar tudo bem
mesmo. Levanta, senta, caminha pelo ônibus, dói aqui, dói ali e um mal estar
que nunca ia embora. Nisso, baixinho, eu já recitava: “descansem o meu leito
solitário, na floresta dos homens esquecida, à sombra de uma cruz e escrevam
nela: foi poeta, sonhou e amou na vida”. Tá, não foi dessa vez que eu morri e
eu nunca fui poeta. Era só gripe mesmo ou o tal “rotavírus”, seja lá o que isso
for. Ou, de acordo com o Seu Jeco: “isso é o frio que tu tens passado, nunca vi
sair de casa pra passar frio”. Perdi o samba, mas ganhei a história sobre o
junho mais gelado que meus pais já vivenciaram: o tal de 1990. Perdi o samba, mas
ganhei a possibilidade de ver o documentário do Woody Allen no Telecine Cult (saudoso
Telecine Cult) e seguir com o meu preconceito. Perdi o samba, mas meu drama
acarretou um belo fogo na lareira e muito mimo. Fiquei tranquila, e ó, desse
jeito vai ser facinho melhorar.
Acordei sem força nem pra caminhar, mas tinha compromissos a
serem compridos. Bobagem. O compromisso era comigo mesmo e poderia facilmente
ser adiado. Mas, não. “Levanta, bamboleia, sacode a poeira e vai pro dia de
beleza que tu tinhas marcado”, foi o que minha consciência me disse, e eu, em
um ato difícil de ser visto, escutei. Lá estava a doente, sentada em frente ao
espelho, ouvindo que o Maicon não valoriza a fulana, que o Kléber só sabe olhar
pro seu próprio umbigo e pensando: gente, que tal uma marcha pelos novos
assuntos no salão? Peguei minha revista e parei de dar pitacos nos
relacionamentos alheios. Eu assino a Lola há um tempão, só que leio sempre com
um delay porque chega na casa da minha mãe e tenho preguiça de pedir pra mudar
o endereço. Resolvi assinar porque talvez seja uma das poucas revistas femininas
que fale da grandeza do universo feminino e não seja um passo a passo de como
dominar seu homem na cama. A edição desse mês foi como a primeira vez que vi Ipanema.
Não tem nada a ver, eu sei. Mas, é uma sensação de que tudo aquilo poderia ser
escrito pra mim, pra eu ler em um salão com alguém falando sobre seus problemas
com o marido ao fundo. Ipanema foi mais ou menos isso, eu mais ou menos já me
sentia parte de tudo aquilo quando cheguei lá. Uma das matérias mais legais
(difícil escolher) chamava “Tudo muito demais” e quis xerocar e deixar embaixo
da porta de cada amiga minha. Era simples e falava sobre nossa visceralidade,
sobre o nosso dilema em ser tantas ao mesmo tempo e sobre como a gente se autocrítica
facilmente. Mas, uma coisa me chamou a atenção “Fazer drama, inclusive através do
nosso vestuário, é a nossa vingança! Quando ocorre o drama é que soltamos os
nossos fantasmas, os bichos, as inconsciências”. Achei isso tão verdadeiro e
tão lindo que, além de me tornar uma leitora mais fiel, de bandeja ainda disse
a moça: veste um vestido bem bonito e dá logo um pé na bunda do Maicon.
Perdi meu celular na rua. Cheguei em casa recitando o mantra “Lanna
fazendo Lannices” e me culpando, muito, por ser assim tão desastrada. Uma
pessoa em uma parada de ônibus achou e me devolveu. Se o meu mundo não é feito
de cetim, eu não sei do que é.